O referencial teórico é a base que sustenta qualquer pesquisa científica. Antes de avançar, é necessário conhecer o que já foi desenvolvido por outros pesquisadores. Assim, o estudo da literatura, contribui em muitos sentidos: definição dos objetivos do trabalho, construções teóricas, planejamento da pesquisa, comparações e validação.
Para a elaboração do referencial teórico, são sugeridos nove passos:
(1) Defina o assunto da sua pesquisa.
(2) Reúna a bibliografia. Comece com pelo menos 20 referências para ter uma visão panorâmica sobre o assunto.
(3) Dê uma olhada inicial nas referências e identifique a estrutura hierárquica do assunto de pesquisa. A estrutura hierárquica vai do assunto mais geral ao mais específico.
(4) Leia a bibliografia reunida com atenção e liste as idéias principais.
(5) Identifique as idéias principais a serem aproveitadas em seu trabalho. Não se esqueça de indicar as fontes de cada idéia.
(6) Rotule todas as idéias para facilitar sua referência futura.
(7) Organize as idéias em seções (normalmente entre 3 a 4 seções deverão aparecer) e subseções (em geral, 3 ou 4 subseções para cada seção).
(8) Escreva o referencial teórico seguindo a sequência hierárquica de apresentação dos assuntos. Dê preferência a idéias abordadas por diversos autores.
(9) Conclua o referencial teórico identificando as principais idéias discutidas no seu texto e apontando para as questões de pesquisa em aberto na literatura.
A área de pesquisa corresponde ao seu campo de investigação. Normalmente a área de pesquisa é mais específica do que a sua área de estudo. Exemplos de áreas de pesquisa são “estratégia de operações”, “controle de qualidade” e “aprendizagem organizacional”.
Os benefícios da especialização em uma área de pesquisa são: (i) estar a par com os desenvolvimentos mais recentes naquele campo, (ii) fazer um trabalho de pesquisa mais relevante e focalizado, e (iii) balancear integração e continuidade ao longo de diversos projetos.
Cada projeto de pesquisa deveria explorar um assunto dentro da área de pesquisa, por exemplo: “formulação da estratégia de operações dentro de uma empresa de serviços”, “utilização de projeto de experimentos no controle de qualidade” ou “aprendizagem no desenvolvimento de novos produtos”.
2. Fontes Bibliográficas
As principais fontes a serem consultadas para a elaboração do referencial teórico são: artigos em periódicos, livros, working papers, teses, dissertações e artigos em congressos.
Working papers – os working papers são artigos em fase de elaboração, disponíveis mediante solicitação feita diretamente à secretaria do curso de pós-graduação onde o autor atua. Working papers costumam conter os avanços mais atualizados sobre uma determinada área de interesse. Solicite working papers de autores conceituados ou mesmo centros de estudos ou universidades conhecidas pela excelência na pesquisa sobre o seu assunto de interesse (lembre que working papers são artigos que ainda não foram publicados; em geral, a única maneira de obtê-los é por solicitação direta junto aos autores). A Internet facilitou a obtenção de working papers. Por exemplo, pós-graduandos interessados na área de logística e no assunto gestão da cadeia de estoques, podem fazer uma busca na Internet sobre o assunto e serem direcionados a centros de excelência. Estes centros costumam dispor de uma série de working papers com os mais recentes resultados das pesquisas neles elaboradas. Um exemplo pode ser encontrado no site www.iems.nwu.edu/supplychain. Veja a lista de working papers (papers submetidos para publicação) ali listados. A maioria destes papers pode ser obtida diretamente com o autor, mediante solicitação por email.
Artigos em congressos – busque por artigos em conferências ou congressos nacionais e internacionais de renome. Utilize preferencialmente artigos recentes (de até três anos atrás). Artigos de congresso apresentam qualidade bastante irregular. Muitas vezes, só servem como fontes bibliográficas para obter referências a outros autores. Artigos de congresso costumam ser publicados em CD-ROM, contendo mecanismos eficientes de busca que podem agilizar sua pesquisa. A Abepro (www.abepro.org.br) dispõe, para comercialização, os Anais dos últimos Congressos Nacionais de Engenharia de Produção (ENEGEPs). Este material pode ser utilizado para dar uma partida rápida na sua busca por artigos.
Teses e dissertações – busque teses e dissertações concluídas em universidades reconhecidas. Em particular, investigue as teses e dissertações desenvolvidas na Engenharia de Produção da UFRGS. Atualmente, os bancos de teses e dissertações se multiplicam e é fácil o acesso a esse tipo de publicação via download. Porém, cuidado para não copiar a estrutura e conteúdo da revisão elaborada por outros alunos. Isso seria um erro grave.
3. Estrutura do Referencial Teórico
A apresentação do referencial teórico deve seguir a sequência dos tópicos pesquisados, não dos autores pesquisados. Dentro de cada tópico, organize a sua apresentação. O segredo de uma boa revisão da literatura é o planejamento. No caso de uma dissertação de mestrado, a revisão da literatura costuma ter 35 a 40 páginas.
Exemplos de seções e subseções:
2.1. Modelos de satisfação do cliente
2.1.1. Satisfação de clientes: conceitos e terminologia
2.1.2. Modelos propostos na literatura
2.1.3. Críticas aos modelos propostos
2.2. Pesquisa de Marketing
2.2.1. Uso da pesquisa de marketing
2.2.2. Etapas da pesquisa de marketing
2.2.3. Condução da pesquisa e apresentação dos resultados
2.1. CONCEITOS DE MANUTENÇÃO
2.2. Conceitos de confiabilidade
2.3. Manutenção centrada em confiabilidade
2.3.1. Apresentação da MCC (o que é e quais as suas vantagens)
2.3.2. Implementação da MCC (como é implementada)
2.3.3. Aplicações da MCC (relatos de aplicações e resultados obtidos)
Evite apresentar a revisão da literatura no formato ficha de leitura (isto é, o Autor A disse isso, o Autor B disse aquilo, o Autor C disse outra coisa, etc.). Encontre os pontos de concordância e divergência entre os autores e conte a história da pesquisa. Um exemplo de texto do tipo “ficha-de-leitura” é:
Segundo Shingo (1996), a idéia central do Sistema Toyota de Produção é promover um fluxo harmônico dos materiais entre os postos de trabalho, produzindo componentes nas quantidades e nos momentos em que são necessários. Para tanto, a comunicação entre postos de trabalho deve ser promovida de forma eficiente.
Para Ohno (1994), o Sistema Toyota de Produção pode ser resumido como “produzir nas quantidades certas e no momento em que as partes são necessárias”. O autor frisa a importância do fluxo de informações entre os trabalhadores nas diferentes células ou postos de trabalho.
A idéia central do Sistema Toyota de Produção é promover um fluxo harmônico de materiais entre os postos de trabalho, produzindo componentes nas quantidades e nos momentos em que são necessários. Neste sentido é importante promover um fluxo eficiente de informações entre trabalhadores nas diferentes células ou postos de trabalho (SHINGO, 1996; OHNO, 1994).
Veja como o texto fica mais fácil de ler, contendo as idéias comuns a ambos os autores expostas de maneira direta, sem repetições. Além disso, os parágrafos não iniciam com Segundo Ohno (1994) ou Para Shingo (1996), ou De acordo com Shingo (1996), que são formas não muito elegantes de redação.
Para facilitar a organização da redação, construa uma matriz com a lista de tópicos nas linhas e autores nas colunas, para entender a relação entre estes elementos. Por exemplo:
4. Seções da Revisão: Estrutura do Texto
A revisão da literatura deve ser estruturada de forma a desenvolver o assunto de seus conceitos mais genéricos para assuntos mais específicos. A sequência da apresentação é, normalmente, a seguinte:
a) Conceitualização e utilidade: o que é o assunto, sobre o que você está falando (qual aspecto do assunto é de seu interesse), quem criou os conceitos que você está utilizando, quais são os principais pesquisadores sobre o assunto, quais são as principais idéias ou abordagens disponíveis na literatura sobre o assunto. Quais são os benefícios e riscos da adoção da idéia (método, técnica, etc.). Em quais situações a idéia deveria ser implementada. Quais são as vantagens e desvantagens da idéia, comparada a outros conceitos.
5. Referenciando obras no texto da revisão
Existem três estilos básicos de referenciação de obras em textos científicos:
Notas de rodapé. Batman muitas vezes se sentiu mais jovem do que Robin1.
Números entre colchetes. A polícia de Gothan City é muito ineficiente [3].
[3] Waine, B., 1969. Why Batman can never go to the beach. Proceedings from the Third International Conference of the Solitary Heroes Society, Gothan City, 102-103.
(Autor, ano) e Autor (ano): Batman é o salvador de Gothan City (WAINE, 1969). Waine (1969) disse que Robin deveria ir para a Universidade e deixar Batman combatendo o mal sozinho.
Veja que, quando citados ao longo do texto, os autores aparecem com a primeira letra maiúscula e as demais minúsculas: Ribeiro e Caten (2003) afirmaram que.... Por outro lado, quando a citação é feita entre parêntesis no final da frase, então os autores são citados em maiúscula (RIBEIRO e CATEN, 2003).
No caso de trabalhos com mais de três autores, ao longo do texto, cite os mesmos utilizando et al., abreviatura de et alli, que significa “e colaboradores”. Assim, em vez de citar, Ribeiro, Fogliatto e Silveira (2005), cite apenas Ribeiro et al. (2005). Na lista de referências ao final do texto todos os autores são explicitamente citados.
No caso de citações a autores que aparecem em outras obras, use o apud: Deming apud Ribeiro (2008) afirmou que o objetivo da gerência deve ser o de ajudar as pessoas a executarem um trabalho melhor. Apud é um termo em latim que significa “citado por”. Observa-se que, apesar de apud e et alli serem termos estrangeiros, os mesmos não precisam ser grafados em itálico, pois já foram incorporados à língua portuguesa.
No caso de citações literais, além do ano, também deve ser citada a página: Deming apud Ribeiro (2008, p.12) afirmou que “O objetivo da chefia deve ser o de ajudar as pessoas e as máquinas e dispositivos a executarem um trabalho melhor”. Notem que, em português, o ponto final vai ao final (após fechar aspas).
No caso de citações longas (mais de três linhas de texto), use texto recuado de 4 cm e letra tamanho 10, conforme segue:
Elimine lemas, exortações e metas para a mão-de-obra que exijam nível zero de falhas e estabeleçam novos níveis de produtividade. Tais exortações apenas geram inimizades, visto que o grosso das causas da baixa qualidade e da baixa produtividade encontram-se no sistema estando, portanto, fora do alcance dos trabalhadores (DEMING, 1992, p.152).
6. Reunindo Idéias
O principal objetivo de uma revisão bibliográfica é reunir idéias oriundas de diferentes fontes, visando construir uma nova teoria ou uma nova forma de apresentação para um assunto já conhecido.
Os tipos básicos de composição são (a) reunir idéias comuns, (b) conectar idéias complementares entre si, (c) comparar idéias divergentes ou opostas. Veja alguns exemplos destes tipos de composição:
Reunindo idéias comuns: Os trade-offs em operações são dinâmicos (SKINNER, 1992; NEW, 1992). Skinner (1992) e Hayes & Pisano (1996), entre outros, investigaram o papel dos trade-offs na gestão de operações.
Conectando idéias complementares: Os trade-offs em operações são dinâmicos (SKINNER, 1992; NEW, 1992) e podem ser trabalhados de forma a reduzir seu potencial de conflito em uma empresa (SLACK, 1994; HAYES, 1996).
Comparando idéias divergentes: Ainda que alguns autores afirmem a existência de trade-offs na gestão de operações (por exemplo, Skinner, 1992; New, 1992), outros observam que empresas líderes de mercado são superiores em todas as dimensões competitivas (por exemplo, Schonberger, 1986; Collins and Schmenner, 1991).
7. Erros Comuns
Errar é humano, mas a banca avaliadora de seu trabalho normalmente desconsidera este tipo de fato. Sendo assim, consulte sempre o seu orientador relativamente a possibilidade de estar cometendo algum dos erros abaixo:
· Revisão muito breve (por pressa, falta de tempo, desinteresse, etc.); obras e autores essenciais não foram incluídos no trabalho.
· Revisão construída em cima de muito poucos autores ou estudos. Normalmente, este erro ocorre em paralelo com o primeiro erro, acima.
· Áreas afins não foram abordadas (por exemplo, otimização multivariada no contexto da utilização de projeto de experimentos para melhoria de processos; outro exemplo, custos das transações e logística no contexto de gestão da cadeia de suprimentos).
· Referências incompletas ou erradas, indicando que você na realidade não conseguiu encontrar um fio condutor nas obras que consultou.
· Ausência de tabelas, modelos ou qualquer tipo de resumo dos assuntos e autores principais revisados na literatura – você deve sempre tentar facilitar a vida do leitor, oferecendo resumos ou esquemas que ajudem a entender o assunto que está sendo abordado.
· Ausência de uma seção de conclusões que reúna as idéias principais abordadas no texto.
· Má organização do material: revisão com seções muito curtas (com um ou dois parágrafos, apenas), com repetição de idéias (o estilo “ficha-de-leitura”), ou sem uma estrutura ou lógica identificável de apresentação.
8. Outras Recomendações
O referencial teórico deve ser ao mesmo tempo completo e enxuto. Você deve revisar todos os estudos e autores relevantes diretamente relacionados ao seu assunto principal. Após a leitura, deve apresentar as idéias principais em cerca de 35 páginas.
Dê prioridade a obras recentes (artigos ou livros com mais de 10 anos de idade costumam estar desatualizados). Contudo, evite o excesso de apud. Se as obras principais são mais antigas, você deve lê-las.
Dê prioridade (nesta ordem) a: (i) artigos publicados em periódicos internacionais; (ii) artigos publicados em periódicos nacionais reconhecidos (na área de Engenharia de Produção, podem ser citados: Revista Produção, Gestão & Produção); (iii) livros publicados por bons editores; (iv) teses e dissertações, (v) anais de conferências internacionais; (vi) anais de conferências nacionais.
Evite citações literais, a menos que sejam realmente necessárias. O excesso de citações literais significa que você não se deu ao trabalho de sintetizar, conectar, reunir idéias de diferentes autores.
9. Estilo de Redação do Trabalho
Seguem algumas instruções que podem ajudar na redação de seu trabalho.
Escreva com frases curtas e objetivas. Evite parágrafos com somente uma frase. Elimine palavras desnecessárias, especialmente adjetivos. Use uma narrativa impessoal, formal e direta. Use um bom vocabulário, evitando metáforas, gírias, palavras obscuras ou complexas e informalidades. Dê preferência a palavras curtas.
Faça um “esqueleto” do que você irá escrever, especificando os conteúdos, parágrafo a parágrafo (lembre: um parágrafo não deve conter mais do que um assunto; um assunto, todavia, pode-se estender por diversos parágrafos). Sabendo o roteiro do que deverá ser escrito, a redação sairá muito mais fácil.
SEMPRE tenha um esquema dos assuntos a serem discutidos por parágrafo no texto. Caso contrário, você vai acabar se perdendo e gerando um texto de má qualidade. Evite parágrafos de uma só frase. Um parágrafo é um conjunto de frases concatenadas, discorrendo sobre o mesmo assunto.
Ao escrever um parágrafo ou frase, releia e pergunte-se: isto está claro? Todo o conhecimento necessário para entender este parágrafo já foi introduzido? Não estou usando jargões que ninguém mais vai entender? Não estou usando iniciais que não defini previamente? Em suma, leia o texto com os olhos de alguém que está tentando aprender com o material exposto. É assim que a banca avaliadora vai ler o seu trabalho.
Caso algum parágrafo não traga referências, subentende-se que você tenha inventado tudo o que está escrito ali. Normalmente, esse não é o caso. Sendo assim, acrescente pelo menos uma referência por assunto ou parágrafo (exceto nos parágrafos que contenham resumos e conclusões, elaborados por você mesmo).
O número mínimo de referências em uma dissertação de mestrado está na volta de 30 a 40 obras. Deste número, pelo menos metade devem ser artigos provenientes de periódicos científicos ou de anais de congresso. Não escreva seções inteiras baseadas em uma única referência; utilize pelo menos três, mesmo que elas digam essencialmente a mesma coisa. É preciso que seja demonstrado ao leitor um certo esforço de pesquisa.
Figuras copiadas devem ser referenciadas. Se forem copiadas iguais ao original, após a legenda, coloque (Fonte: Fogliatto et al., 1998), por exemplo. Se forem adaptadas (traduzidas ou modificadas de alguma forma), coloque, após a legenda, (Adaptado de Fogliatto et al., 1998).
Evite afirmações pessoais (“achismos”), superlativos (exageros de qualquer espécie) e informalidades. O texto técnico deve ser neutro e, obviamente, o mais técnico possível.
Evite notas de rodapé. Normalmente, o que está sendo dito no rodapé pode ser introduzido, entre parênteses, no texto. Caso não possa, você provavelmente está desviando do assunto principal, coisa que não deveria acontecer.
Evite o uso de listas. Listas são usadas em apostilas e livros-texto. Teses e dissertações devem privilegiar o uso de parágrafos concatenados.
[ Adaptado por José Luis Duarte Ribeiro a partir de texto original elaborado
por Flavio Fogliatto e Giovani da Silveira]